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Entre o mito e a Psicanalise: quando a expectativa do outro mutila o nosso ser.

  • carlasamoreira
  • 26 de set.
  • 2 min de leitura

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Conta a mitologia grega que Procrusto vivia às margens da estrada, oferecendo repouso a viajantes cansados. Mas a hospitalidade era armadilha: todos eram obrigados a deitar-se em sua cama de ferro. Nenhum corpo se ajustava. Os mais altos tinham as pernas amputadas; os menores, eram cruelmente esticados até romper. O leito de Procrusto transformou-se, assim, em símbolo de violência — mas também da tirania de moldes que exigem que o singular seja forçado a caber no padrão do outro. Há versões do mito que citam que Procrusto possuia duas camas de ferro, uma menor e outra maior, de modo a oferecer aos viajantes sempre a cama onde eles não encaixariam perfeitamente, o que torna ainda mais forte o peso do não se encaixar nunca.

Não é difícil reconhecer essa cena em nosso tempo. Quantas camas invisíveis tentamos ocupar para sermos aceitos? Quantas vezes comprimimos nossos desejos, abafamos nossa criatividade, encolhemos nossa voz para não decepcionar? Ou, ao contrário, quantas vezes nos esticamos para além do suportável, carregando o fardo de jornadas intermináveis, de papéis familiares sufocantes, de relações amorosas em que a validação do outro vale mais do que o próprio respirar?

A psicanálise nos mostra que viver para sustentar ideais alheios é um modo de violência psíquica. É a mutilação silenciosa do que poderia florescer, a exaustão de uma existência que se mede sempre pelo olhar externo. No trabalho, isso pode significar um corpo curvado pela sobrecarga. Na família, uma alma aprisionada em papéis que não escolheu. No amor, um coração sempre à espera de ser julgado “suficiente”.

O mito de Procrusto nos convida a perguntar: de quem é a cama em que nos deitamos? A quem servem os moldes que tentamos preencher? Talvez a coragem esteja em ousar levantar-se, abandonar o leito de ferro e construir um espaço onde caibamos inteiros, com nossas imperfeições e potências.

A psicanálise oferece esse espaço. Uma escuta que não exige medidas impossíveis, mas que acolhe a singularidade de cada ser. Um convite a reencontrar-se consigo mesmo, a descobrir o leito verdadeiro: aquele que não mutila, não estica, mas sustenta o peso da vida tal como ela é.



Carla S A Moreira

Psicanalista


 
 
 

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© 2024 por Carla Moreira, Psicanalista

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